
E - de repente - senti. Estava tudo muito bonito. Esse mês de Dezembro tá tão lindo, tão manso. Tão novo. Tão eu novo.
Estava tudo muito bonito, e muitas vezes eu choro quando tudo está assim, bonito.
Caio Fernando Abreu
E - de repente - senti. Estava tudo muito bonito. Esse mês de Dezembro tá tão lindo, tão manso. Tão novo. Tão eu novo.
Estava tudo muito bonito, e muitas vezes eu choro quando tudo está assim, bonito.
Caio Fernando Abreu
"...A memória tem sempre essa tendência otimista de filtrar as lembranças más para deixar só o verde, o vivo. Antigamente, sempre era melhor, ainda que não fosse. Talvez porque já esteja, lá, tudo solucionado e a gente possa se ver, no tempo, como quem vê uma personagem num livro ou filme: aconteça o que acontecer, há um fim definido, predeterminado. Essa espécie de improvisação do agora, do que está sendo moldado, causa muito mais angústia. Não temos, como no samba, a menor idéia de como será o amanhã."
Assim que vi você
logo vi que ia dar coisa
coisa feita pra durar,
batendo duro no peito
até eu acabar virando
alguma coisa
parecida com você
parecia ter saído
de alguma lembrança antiga
que eu nunca tinha vivido,
mas ia viver um dia
alguma coisa perdida
que eu nunca tinha tido
agora não tem mais jeito,
carrego você no peito
poema na camiseta
com a tua assinatura
já nem sei se é você mesmo
ou se sou eu que virei alguma coisa tua
Ela dorme segura, protegida no ombro dele que a protege, seguro. Mesmo dormindo, mesmo do lado de cá. E isso é para sempre, por mais que o tempo passe. (...) E isso ninguém roubará.
O bem fazer já é: sua vontade
Agora deixe o mau sentimento distante
Desenlouqueça: a misteriosa vaidade
E queira ser uma unidade do bem ambulante
Saiba de amor falar
De qualquer forma de qualquer jeito
Pode ou não?
Qualquer sujeito qualquer
Entender antes de terminar
Saiba de amor falar
E o sentimento vence o preconceito
Vive ou não?
Qualquer sujeito qualquer
Ao se render antes do fim chegar
O bem fazer se fez: necessidade
Agora faça que te sigam os seus semelhantes
Enchendo as ruas e os corações das cidades
Do tudo bom que existia mas não se via antes
Diamba - Já é
Eu tenho que viajar no final do ano pra um lugar imperdível porque é reveillon. Eu tenho que me virar pra encontrar meu namorado que mora a trocentos quilômetros de distância, enfrentar o caos dos aeroportos ou as estradas lotadas porque o mundo deve estar acabando e é a última coisa que posso fazer na vida. É reveillon. É reveillon e alguém decidiu que nos daria um único dia de feriado pra fazer o mundo inteiro querer viajar por causa de um mísero estúpido dia. Mas é reveillon. O ano vai mudar e você precisa celebrar o fato de que mais um ano ficou pra trás, mais um ano está chegando pela frente. E a única coisa que efetivamente muda na sua vida é o calendário da Caixa Econômica Federal que fica em cima da sua mesa no escritório. É deprimente ter que responder, pelo menos dez vezes por dia, a pergunta daqueles que passaram o ano todo juntando dinheiro pra viajar no final de semana do reveillon: o que é que você vai fazer no final do ano? Vou dormir, pagar minhas contas, juntar dinheiro pra consertar meu carro, trabalhar no dia 31 e no dia dois de janeiro. Pro inferno. Por que é que eu “tenho que” fazer algo imperdível no final do ano? Por que é que eu preciso viajar justamente em dois ou três dias, pagando as tarifas mais caras de vôos, pegando as estradas mais cheias, gastando com diárias inflacionadas? Alguém me explica esse fenômeno? Tenho outras datas pra viajar. Sou livre. Posso ir e vir doze meses por ano, me planejando com antecedência ou simplesmente resolvendo ir pra praia sexta-feira à tarde. Tenho amigos, tenho finais de semana, tenho férias e não entendo porque eu tenho que viajar no reveillon. Não tenho que nada. Mal tenho tempo de cuidar da minha vida no presente, quanto mais começar a pensar no reveillon ainda em julho (minhas amigas afoitas que me perdoem). Mudo de idéia desde a hora que acordo até a hora que vou dormir. Planejar final de ano com seis meses de antecedência, pra mim, é loucura. Mal planejo o final de semana seguinte. Não sei se vou estar viva até o final do ano, não sei se vou estar empregada, se vou estar sem dinheiro, se vou estar namorando. Não sei se vou. Me desculpem aqueles que acham que reveillon é a coisa mais importante do ano, mas pra mim o que importa é todo o resto. Os outros 364 dias entre um reveillon e outro. Não vou fazer nada extraordinário no final do ano porque, sinceramente, não acho que, em dois dias, dê pra fazer nada que preste de verdade. Você se desgasta horrores, pega estradas, rodoviárias, aeroportos lotados, e gasta mais tempo pra chegar no seu destino do que na festa de final de ano em si. Acho chique quem vai passar o reveillon em Fernando de Noronha e já fica pras férias de janeiro. Acho chique quem vai pra New York tomar champanhe na virada do ano na Times Square e depois passa umas semanas fazendo compras. Mas acho extremamente barango quem sai no dia 31, viaja dez horas pra casa do caralho, chega lá, passa a bendita virada e volta no dia seguinte (mais 14 horas de viagem porque a volta sempre engarrafa). Ah, gente, faz favor, né?! Isso é glamour?! Não tenho dinheiro pra ir pra Noronha, pra NY ou pra outro lugar que preste pra me divertir de verdade ao invés de me estressar. E me recuso a me estrangular nos dois dias que inventaram pra gente fazer alguma coisa que preste. Prefiro usar os outros dias do ano.
Brena Braz.
Essa multidão de esbaforidos pelos metrôs, ônibus, ruas, lojas, shoppings... à que se prestará? Mais uma vez, meus caros, às festas! Nossas confraternizações. De fato deve ser algo muito fraterno dar e receber presentes. Quem sabe... Porém, talvez o fim esteja mesmo no prazer das compras, nas comemorações e em mais um momento de esquecimento das mazelas do ano (ultra)passado. Mas quem seria o inconveniente que deitaria dúvidas nas supostas motivações de final de ano? Deixo isso para alguém mais corajoso ou "chato" do que eu. De minha parte, prefiro pensar no lado realmente importante dessa nossa transitoriedade. De nossa passagem pelo maior espetáculo do qual todos os canalhas, todos os honoráveis, todos os vilões e todos os heróis tiveram o fantástico privilégio de participar: a VIDA. Ainda há pouco me lembrava da esperança ardorosa, em menino, de ver algum dia a "passagem do ano". Queria tanto não dormir pra viver o momento exato em que um (ano) morria e o outro nascia. Confesso que me senti frustrado quando, finalmente, consegui manter-me acordado e vi apenas alguns adultos gritando. "Cadê?", perguntava pra mim mesmo. Tempos depois percebi que, talvez, essa era uma das grandes decepções que nós carregamos: é mentira, o ano nunca passa. Foi mais ou menos por esse tempo que pensei também em qual e como terá sido o momento exato em que, verdadeira e profundamente, tomamos consciência da nossa mortalidade. De que estamos morrendo agora. Hoje reflito no motivo pelo qual esse atino é prontamente apagado de nossas mentes.
Por que fugimos dessa verdade insofismável? Com certeza isso terá sido mais atordoante que minha descoberta de fim de ano. Muito mais marcante. No entanto, essas percepções todas me parecem insignificantes quando reflito no quanto custamos a chegar aqui. Decênios, milênios, ou lá o que for. Este momento, quer dizer, qualquer instante, deveria ser sagrado e cultuado todos os dias. Não direi "todo o tempo" para não corrermos o risco de sermos fundamentalistas de nós mesmos. Pense comigo: o que deveria realmente nos assombrar se não a nossa vez nesse imenso banquete? Talvez a morte, como um fato vindouro, transforme a vida em algo espantoso. Mas ela, nossa morte, sempre esteve aí. Bem antes de nós. Já nossas vidas...
Se eu não fosse "eu", o que, então, seria? Apenas "serei" por alguns breves momentos lançados nesse universo infinito: minha insignificante existência, minha consciência disso, minha inconsciência de tanto mais, minha aconsciência do que eu puder. E quantos anos eu poderei vir a ter? Cem? Pois isso é nada. Uma fagulha no gigantismo que é a insignificante história humana frente ao cosmos. Imagino a resposta de um senhor centenário, quanto a sua percepção da vida... "passa muito depressa: foi hoje de manhã, quando sugava as doces mamas, embalado pela cantiga de mamãe"... A grandiosidade, meus bebês (e somos todos nenéns), é a VIDA como fato! É ter acertado em cheio nessa loteria: fomos sorteados com o prêmio dos prêmios. E, ainda bem, não ganhamos sozinhos. Estamos todos nesse momento particular, participando da festa das dores, dos prazeres, dos temores, dos amores, das alegrias e das saudades. Das saudades deles, os que se foram mais cedo da nossa farra-existencial, que também estiveram aqui e que, de alguma forma, ainda estão. Pode duvidar. Mas creia... Creia!
Então, o que falar de todo esse, digamos, desespero? Pra mim, seria bom, em algum momento de toda essa tontice, percebermos que não é o ano quem passa. Somos nós. E, mais ainda, não é ele quem renasce, também somos nós. Talvez seja uma surpresa soberba descobrirmos que podemos nos embriagar ou delirar dessa obviedade que é percebermos o hedonismo da vida: corpo belo, mente sã e alma livre. Pagã! Estamos vivos, e isso é muito. Por ora é tudo. Mas, pra termos um denominador comum, sabe, o que eu queria dizer mesmo, enquanto ouço as cantatas de J.S. Bach (atemporais), era: FELIZ ANO NOVO!
Luiz Galdino de Santana.
Que eu aprenda a guardar segredos sem jurar por Deus. Que eu tenha menos vaidade e mais realidade. Que eu invente mentiras convincentes para deixar as verdades com ciúmes. Que eu perca o pavor de supermercado. Que eu não pense na morte antes de dormir. Que eu volte a rezar sem querer. Que eu possa nadar na neblina. Que eu não tenha receio de ser ridículo. Que eu faça amigos falando do tempo. Que eu pare de fumar. Que os ex-fumantes parem com os sermões. Que eu escreva nos livros o que os livros me escrevem. Que eu possa brincar mais sem contar as horas. Que eu use somente as palavras que tenham sentido.
Fabrício Carpinejar
Acredito que o ser humano é capaz de amar várias vezes. Se não fosse assim quem perdeu uma grande paixão estaria condenado à solidão. Não acredito em um único amor para-todo-o-sempre-amém. Tem gente que coloca isso na cabeça e se apega, se humilha, se sujeita a qualquer coisa. Ao invés de trancar em você aquele seu velho amor falido, abra novos espaços e inaugure um novinho em folha.
Fernanda Gaona
Não me importa o que é de verdade ou o que é mentira, mas tem que me convencer, extrair o máximo do meu prazer e me fazer crer que é para sempre quando eu digo convicto que "nada é para sempre".
Claro que eu adoro minha casa, meu cachorro, meus amigos, meus livros, músicas. Tenho uma vida ótima. Mas nenhuma dessas coisas se comparava ao prazer que eu tinha ao ouvir o barulhinho de uma mensagem chegando. Ou de quando o telefone tocava e eu sabia que era ele e o meu coração disparava tanto que eu tinha medo de morrer antes de falar "alô".
É assim o nosso ciclo. Eu te preciso. Perto, longe, tanto faz. Preciso saber que tu está bem, se respira, se comeu ou tomou banho - com o calor que está fazendo neste verão, tome pelo menos uns três ao dia, e pense em mim, estou com calor também.
"Não sou pra todos. Gosto muito do meu mundinho. Ele é cheio de surpresas, palavras soltas e cores misturadas. Às vezes tem um céu azul, outras tempestade. Lá dentro cabem sonhos de todos os tamanhos. Mas não cabe muita gente. Todas as pessoas que estão dentro dele não estão por acaso. São necessárias."
Caio Fernando Abreu.