quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Pessoas vazias enchem

Na segunda você não está a fim de nenhuma pessoa que pense muito. Aí você olha a sua agenda e resolve ligar para aquele conhecido que faz piadas superficiais. Na terça você nem estava com paciência para pagar de gatinha, mas jantar com um pseudo protótipo de cara razoável pode ser melhor do que ver o BB8 e ensurdecer com tanta gente berrando “ié, ié, uhú!” (por que eles berram tanto?). Na quarta você tira um ex qualquer coisa da cartola e o usa por vinte minutos para se sentir mais bonita ou para sentir um pouco de cócegas na nuca. No domingo você não agüenta mais existir sozinha no universo e disfarça interesse em alguém desinteressante só para ganhar um carinho no cabelo ou uma topada qualquer no dedão. Qualquer coisa, qualquer coisa. A vida é chata e comprar pessoas dá coragem de seguir para o próximo minuto. Ainda que, depois, as coisas só pareçam mais chatas. Pessoas viraram bens de consumo. De manhã você acorda, toma seu café da manhã só com o que a nutricionista mandou, se arruma bem bonita e escolhe a bolsa. Se for pequena, caberá apenas uma ou outra pessoa para dias leves. Se for grande, é capaz de você acabar numa dessas festas “que vai todo mundoooo”. Quantas e quais pessoas você quer comprar hoje? E o coração vazio, vazio. A última moda, ouvi dizer, é um amigo fã de rock indie e amigo de algum dj brasileiro fashion que, por sua vez, é amigo de algum dj gringo do momento que, por sua vez, conhece alguém que conhece alguém do Strokes . Você já comprou o seu? Esse tipo de amigo sai caro, mas tem também a versão da José Paulino que você encontra de madrugada no Vegas. Ele não é amigo de ninguém importante e entrou no Vegas com desconto, mas andar com ele pode fazer você parecer amigo de alguém que é amigo de alguém. Ai que saco. Tem também a amiga que cai bem. É a amiga descolada, gata e com casa na praia. Essa amiga é cheia de amigas descoladas, gatas e com casas na praia. E você não suporta os papinhos furados e nem a voz “ultra paulistana dela, meu” e muito menos o namorado dela que trabalha com eventos e menos ainda os sócios do namorado dela que trabalham meio período em administrar a grana do pai. O outro meio período eles comem açaí e dormem, as duas coisas ao mesmo tempo. Mas é o tipo de amiga que cai bem. Roupa bonita, cara, cheirosa. Uma boa casca pra você desfilar por aí. E essa amiga, por incrível que pareça, não custa caro. Desesperadas para comprar amigos elas se vendem baratinho. E tem a melhor de todas as compras do mundinho. O namorado bonitão e de carrão. Ele vem também na versão ap descolado e convites VIP para as melhores festas e eventos da cidade. Se bobear, até umas diversões ilícitas ele vai te arrumar. Serve tanto no inverno, quanto no verão. Nunca sai de moda e ainda vem com vários amigos que, desrespeitando totalmente as leis dos homens que valem a pena, vão dar em cima de você. Não serve muito para te fazer companhia se, por exemplo, você quiser filosofar sobre aquele vazio existencial que você tem no fundo do fígado e nem para ir com você naquela festa brega da sua tia avó. Mas entrar com ele numa festa idiota vai te transformar na rainha da sua cidade. Queria saber onde estão aquelas pessoas de verdade, que a gente não compra mas também não vive sem. Aquele amigo que mudou para o outro lado do mundo mas você não pensa duas vezes antes de pegar o carro, o ônibus ou o avião e fazer uma visita. Só olhar para ele, sentar ao lado, ouvir a voz, faz tudo ficar mais feliz. Algumas pessoas simplesmente valem a pena. Queria saber onde é que está aquele tipo de namorado que você não veste para se exibir mas despe para provar só pra si mesmo o quanto é feliz. Que você não desfila ao lado, mas leva dentro do peito. Que você não compra, consome, negocia ou contrabandeia. Mas se surpreende quando ganha de presente da vida. Aquele tipo que você não usa para ser alguém e justamente por isso acaba sendo uma pessoa muito melhor. Não culpo pessoas, lugares e sentimentos que se vendem e muito menos me culpo por viver pra cima e pra baixo com minha sacolinha de degustações frugais. É o nosso mundo moderno cheio de tecnologias e vazio de profundidades. Mas hoje, só por hoje, vou sair de casa sem minha bolsa. Vamos ver se acabo conhecendo alguém impagável.

Tati Bernardi

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